Tenho poucas lembranças tão nítidas da minha infância quanto as das aulas de ballet na creche. Lembro da roupa rosa, da bolsinha que carregava minha sapatilha, dos meninos indo em fila para a aula de judô enquanto as meninas iam para o ballet e das borboletas. Doía muito quando a professora forçava o alongamento das nossas pernas em posição de borboleta. Assim como doeu muito quando aos 12 anos de idade eu resolvi voltar a dançar ballet.
Foi muito difícil tomar esta decisão e verbalizá-la para meus pais porque se aos 7 anos eu me achava velha para recomeçar no ballet, imagina aos 12? Me sentia uma senhora! E ainda por cima eu era tímida, gordinha e media quase meus 1,70m atuais. Era uma aberração em sala de aula ao lado de meninas magrinhas e miúdas de no máximo 10 anos. Percebia que as professoras não sabiam muito bem o que fazer comigo e, depois de algumas tentativas de fazer ballet, acabei encontrando um alento no jazz. Ali sim, eu não era uma estranha no meio de meninas da minha idade, quase todas começando na dança. Embora eu me sentisse bem lá, não era o que eu queria.
Tempos depois, desisti da dança e fui fazer academia. Não foi à toa que eu só queria fazer aulas de axé, o hit da época e street dance. Era fantástico poder dançar sem me sentir cobrada ou julgada. Certo dia, fui assistir a um show de flamenco do Tablado Andaluz na Associação de Moradores do meu bairro. Foi lindo! Fiquei tocada com aquela dança.
O tempo passou e eu, já na faculdade, estava procurando alguma atividade para me exercitar. Então, quando passava de ônibus pela Osvaldo Aranha, vejo a escola do Tablado Andaluz e tive um estalo: é isso! Afinal, era uma dança que exigia técnica, mas que quase ninguém começa a dançar quando criança. Portanto, só teriam adultos iniciando como eu! Foi assim que começou minha história de amor com o flamenco.
Quando me mudei para São Paulo, tive que parar de dançar e isso foi muito sofrido. Em 2008, depois de dois anos parada, consegui retornar e a experiência teria sido maravilhosa se não fosse eu não ter me adaptado ao método de ensino... A professora era uma pessoa e bailarina ótima, mas com um gênio bem difícil. Foram tantos gritos e xingões que eu fui me tornando o ser mais inseguro do mundo. Foi tamanha a minha frustração que me agarrei na primeira desculpa que apareceu na minha frente e parei de dançar.
Fiquei todo o ano passado procurando aulas de pilates ou yoga pra dar um jeito na minha coluna e nunca me matriculava em nada. Até que peguei o ônibus com uma colega de trabalho. Ah, estas coisas sempre me acontecem no ônibus! Ela me falou que estava fazendo ballet numa turma para iniciantes adultos. Meus olhos brilharam! Lá estava ele, meu sonho de fazer ballet vivo de novo!
Não tive dúvida que havia chegado a minha vez! Liguei para a escola para marcar uma aula e levei um banho de água fria: não haviam mais vagas. Fiquei tão triste, mas tão triste que todas minhas amigas começaram a procurar aulas de ballet pra mim. Mas como nada nesta vida é por acaso, eu mesma achei o lugar ideal: numa escola de flamenco. Juro que eu mal podia caber em mim de tanta felicidade com a minha descoberta! E a professora ainda é uma fofa e as colegas também!
No momento, estou só no ballet tentando desenferrujar minhas articulações, aprendendo tantos passos com nomes em francês e me esforçando muito para decorar uma simples sequência de barra. Mas meus ouvidos estão ligados no sapateado que vem da sala ao lado, me chamando insistentemente para bailar. Olé!