segunda-feira, outubro 10, 2005

A gente não quer ser comida

No ônibus, de manhã cedo, um comentário chocou meus ouvidos e agrediu meu espírito.
Dois guris comentavam a noite de Sábado. Um deles disse que havia saído com uma "lôca" e o outro, querendo certificar-se de que falavam da mesma pessoa perguntou: "aquela que tu comeu?"
Não sei se foi a empolgação da pergunta ou simplesmente o barulho do motor do ônibus que deu uma pausa naquele exato momento, mas a frase retumbou nos meus tímpanos e me deu um embrulho no estômago.
Me incomoda muito o uso do verbo comer usado indiscriminadamente pelos homens para falarem de sexo. Eu comi, tu comeste, ele comeu. A conjugação deste verbo no passado mais parece uma conversa entre homens contando vantagens num bar.
Para quem está se perguntando o porquê da minha recolta, eu devolvo a pergunta: já viram estes homens que adoram bradar que comeram alguém, comendo? Não estou falando de voyerismo, mas de comida mesmo: arroz, feijão e afins. Posso até imaginar a cena. Aqueles caras que vão em um buffet livre, daqueles que dá para repetir até cansar pagando o mesmo preço, mas mesmo assim enchem tanto o prato na primeira vez que mal conseguem espaço para colocar o garfo sem desmoronar o himalaia de comida. Eles mastigam grosseiramente e falam de boca cheia, bebem, mastigam, repetem outro morro e quando terminam, soltam um mini-arroto para coroar a comilança. De palito no canto da boca, o tipo sai do restaurante acariciando a barriga e, feliz, comenta: "Bah, eu comi, cara!"
Qual a diferença para o menino do ônibus e para este tipo do buffet? Talvez só o palitinho na boca. Ambos me causam repulsa e se referem à comida e à mulher da mesma maneira troglodita. Este é o problema do uso do verbo comer. Só é preciso pôr na boca, mastigar e engolir. Se quiser requinte, saboreie.
Por isto, salvo raras exceções, sexo casual não é o preferido das mulheres. Corremos o risco de sermos confundidas com um prato de macarrão.